1a. Publicação - 29 de fevereiro de 2004

Traições e Paradoxos

Eu me sinto profundamente traída. E começo esse texto assim, por lembrar de um poema que minha irmã me passou certa vez, intitulado "Não Traio". O que poderia ser um poema da época da ditadura, que se remetia ao silêncio dos torturados em nome da segurança de seus camaradas, pode ter várias interpretações... Minha amiga Pat disse que o poema a tinha tocado de forma particular: dizia que, ao se esquivar da traição, por ser uma coisa deveras errada, ela acabava se traindo. E dessa forma, era traição do mesmo jeito... Que ao tentar não trair, ela se feria. Interpreto o que ela disse da seguinte forma: ao se adaptar às normas do sistema, ela fazia coisas que não queria. E se traia. E o pior de tudo, é que doia. Sempre fui petista. Sempre. São quase 15 anos de militância, que começou com meu pai e minha mãe... Mas ontem, 27 de fevereiro, eu me senti traída. Eu vi que tudo em que acreditava não existia mais e o medo venceu a esperança. É terrivelmente incrível como as coisas se repetem, se analisarmos a história da esquerda no nosso país. E vendo que a politica que está sendo aplicada é a do medo, que deriva da insegurança de quem a comanda, me bateu a dor da descrença. Quando vi que o governo anda pegando "bodes espiatórios" a fim de desviar a atenção de problemas como escândalo Valdomiro Diniz e também do Banco de Medula, me veio forte a lembrança de que essa era uma prática muito comum no Partidão, o PC. O que eles faziam: em frente a um problema pertinente, logo arranjavam um culpado e desviavam as atenções. Foi assim com a "Garoto", a garota espancada e morta depois do fracasso da Intentona Comunista e a prisão de Prestes. É como se achassem um culpado para tudo e assim, resolvessem definitivamente o problema. E aí me vem em mente um paradoxo: o fato de se fazer uma pessoa "pagar" por um possível erro... é estranho... como se o partido tivesse que prestar contas a uma força maior e fizesse isso através de um sacrifício. Sacrifício que lembra crença, que lembra religião e que lembra Deus. Ora, os comunistas dizem não acreditar em Deus... Como dói crescer e ver que as coisas não são como achavamos que eram. Dói ver castelos desmoronando. Ver que tudo em que acreditávamos não é perfeito. Não vou me trair deixando de acreditar na ideologia petista, que ao meu ver, peneirou o melhor do socialismo e praticou com excelência. Mas aceitar as ações dos petistas, não dá: isso seria traição, aos meus valores e ás coisas que acredito. Por mais que seja difícil, ainda concordo com Galeano: Caminho dez passos, ela se afasta dez passos. Corro cem metros, ela se afasta cem metros. Por mais que eu a persiga, jamais a alcanço. Então para que serve a utopia? Serve para isso: para fazer caminhar."