terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Não sou eu, é meu eu lírico

Na liquidez das coisas, das horas e das interações, me acostumei a me relacionar como todo mundo. Um encontro casual ou marcado. O beijo, o algo mais. Às vezes rola, na maioria das vezes não, mas é assim.
Não existe mais o encantar-se com a presença contínua da pessoa em sua vida. Construir uma relação aos poucos e ir gostando mais e mais. Conhecer para gostar e não gostar para conhecer.
Enquanto estive em Portugal, passei por um processo estranho. Conheci um rapaz em outubro, passamos o carnaval juntos e só fomos nos beijar duas semanas depois. E depois que retornei, ainda abreviamos por dois anos o ponto final. Burrice pós-moderna. Mas foi uma experiência diferente das que eu vivo desde que deixei o noivo, desde que me libertei do Nosferatu. Duas pessoas, mas a mesma época, you know.
Tenho tido uma experiência solitária de encantamento.
Subconsciente me avisando, sonhos fraternos, pelo menos uma vez ao mês me fizeram notar o que eu não percebia. E num dia besta, parada próxima ao relógio de ponto com um copo de chá fervendo na mão, me percebi demorando o olhar. E gostando do que via. Quando nos percebemos, fiz uma brincadeira tosca e voltei aos meus afazeres que não seriam mais naturais, não naquele dia da semana.
Passei a perceber que estar perto era bom, que ouvir a voz era bom.  E a festa, ah a festa: foi festa em mim cada pegada fortuita no braço pra falar ao ouvido - música alta! - cada aproximação. Bem, eu sei. Proximidade etílica. Afinal, nada se consumou ali, mas se confirmou aqui, apesar da despedida fria e da frustração que dura até agora.
São mais de 30. Diante disso aí, eu, sem ação. Meu modus operandi é tão bobo que não é. Explícito aqui em mais um texto pra ninguém na esperança de que o alguém leia. E bem, sabemos, essas coisas não acontecem.
E não acontecendo eu vou. Não sou uma mulher inerte, mas tenho calado até os meus silêncios. E como Sílvia, tenho pago um preço alto por eles. Não espero, seria besta. Coisas boas assim, a realização do bem-me-quer não acontecem, ou pelo menos não andam acontecendo pra mim.
Termino com a Clarice, que fala sempre tão bem por mim nas linhas finais de meu livro predileto: o que escrevo continua e estou enfeitiçada.