domingo, 29 de maio de 2016

Se eu não ficar



Se eu não ficar, que não pensem que eu não os amo. Talvez eu não consiga permanecer justamente porque não dou conta de preserva-los de mim mesma. 
Se eu não ficar, não por egoísmo. É por esgotamento. É uma canseira sem fim que me deixa deitada desde o momento em que acordo. 
Se eu não ficar, não me demonizem. Não saiam por ai dizendo que as almas que não se ajustam vagam por aí. Eu acredito, sinceramente que quem não consegue vai mesmo pra um lugar muito melhor, onde haja reconforto, segurança e amor, muito amor. 
Se eu não ficar, saibam que eu fiz tudo - tudo com muito amor. Aos meus pais, aos meus cachorros, aos meus alunos que são a síntese da minha vida e aos meus amigos.
Eu amei imensuravelmente todos, todos. E tentei colocar esse amor em cada ato e cada palavra. 
Eu transbordo. Quem me conhece sabe, eu transbordo. Mas à bordo desse cansaço, desse mal-me-quer, eu cedo. 
Se eu não ficar lembrem de mim como alguém que de raso nada tinha, e talvez esse fosse meu pecado. Apedrejada por mim mesma por seixos intensos e internos, eu cedo. Eu cedo. 

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Para Georgia 
Sabe, filha, hoje é um dia triste. Talvez você nunca leia essa carta, mas são tempos sombrios. Nossa democracia foi pro ralo, os direitos constitucionais estão sendo ignorados e mais uma vez o mandonismo impera. Eu jamais imaginaria, na minha mais leviana insanidade, que você presenciaria uma realidade assim.
Não é fácil ser mulher, Georgia. Hoje foi noticiado o estupro coletivo de uma jovem de 16 anos. Muitos comentários culpavam a vítima. E então eu penso na responsabilidade e na desgraça de ser mulher numa sociedade como a nossa. É uma dor constante. E acredite: se você for, como eu, sua tia e sua avó tanto desejamos, independente e dona de si e dos seus sonhos, o mundo não vai te perdoar.
Você vai ser culpada por querer ser livre. Como foi sua bisavó e como, de certa forma, eu sempre fui. De não se limitar a saber que existe: você vai querer ir tocar. E sentir loucamente, filha, cada emoção. Dançar por seis horas seguidas, se engajar pelos seus ideais de forma apaixonada. Vai ser culpada por isso também. Ah, filha, se você estiver carente e quiser atenção, ou simplesmente quiser saber qual o status do relacionamento com aquele cara com quem vc saiu algumas vezes, você será novamente rotulada como grudenta. Obsessiva. Mas saiba: é seu direito saber onde está, ninguém gosta de instabilidade.
Sua bisavó Dora ajudou a lutar pelo fim da ditadura, Georgia. E sua avó Iza criou sua tia e eu como mulheres donas de nossos destinos e de nossos corpos. Soberanas de nossa existência. Pois é, querida, nossa linhagem é de mulheres fortes. Mas o preço é tão alto... É uma dor quase irremediável. Escutei tanto: viajada, independente, doutora? Filho, homem pra quê? É que os seres humanos tão reificados não entendem que realização não tem preço, e você saberá disso com certeza. Seu próprio nome faz referência a isso. Vem de uma música onde Ray Charles diz que por mais que ele tivesse inúmeras possibilidades, só em Georgia que ele se encontrava, era só lá que a vida fazia sentido. Pra mim, em relação a você, isso faz muito sentido.
Não tenha medo filha. Nós nunca tivemos. São tempos difíceis, mas não imutáveis. Resistimos para isso, para fazer acontecer a mudança.
Quando eu era pequena, escrevi em uma atividade no livro didático: quero ser escritora. 
Tudo pra mim virava poesia. Eu lembro até hoje do dia em que escrevi um poema sobre o formato das nuvens, que encantou a professora da 5ª série. Fui criada e aprendi a dar a maior importância para as pessoas, para as plantas e pros bichos. Exercito isso diariamente e lá se vão 33 anos. 
Não fui criada em uma atmosfera de fadas e princesas. Minha avó execrava a Barbie. Não que eu fosse uma criança chata a la Mafalda, mas contos de fada não me cativavam pelo glamour, talvez pelo amparo que no fim das contas, a princesa tinha. Tive pais e irmã continentes. Até hoje. Amparada como uma princesa Disney.
Então eu me pergunto, antes de deletar definitivamente essa conta dessa rede social que eu não mais suporto, o que é que foi que deu errado?
Eu olho as fotos da faculdade e penso: nossa, eu queria ser essa garota! E eu não fui quando era.
Eu não aguento ficar acordada num mundo em que as pessoa descartam. Eu não aguento ficar acordada em uma realidade em que as pessoas não se importam umas com as outras. Fico dias sem ver minha melhor amiga que mora na rua de cima de casa. Não vejo meu melhor amigo há meses e apesar das redes sociais, não temos nos falado.
Mudam-se os interesses, as pessoas se dispersam, vai-se um pouco de mim e um pouco de você. Nos tornamos menos. E cada vez menos.
Eu sinto muito por não ter ventosinhas que segurem as pessoas ou as deixe querendo estar perto de mim. Houve um tempo que isso acontecia, aliás, ocorre. O gozo acaba, acabam-se também a ternura e a vontade de estar comigo. Pedaço de carne, mulher independente, solteira. Pedaço de carne maquiado bem vestido e cheiroso que serve por algumas horas. Depois, quem sabe?
Eu estou absolutamente cansada. Eu não suporto estar acordada e vivenciar tudo isso. Eu não consigo lidar com a indiferença de quem fez parte da minha vida. O que mudou, onde eu errei? Onde eu errei, eu quero saber, e eu eu erro muito.
Pedaço de carne, mulher, independente, solteira e cansada. Estou farta de redes sociais e das redes coercivas da vida. E me despeço, antes que digam que sou histérica. Antes fosse e não tivesse tanta, tanta consciência de tudo isso. Que bom seria! Que bom seria nada saber. Não querer escrever e saber descartar.
Me deixem, me deixem dormir. Me poupem da falta de interesse de quem estava a pouco tão próximo em saber como estou. Me deixem dormir. Adeus.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Eu tenho um plano perfeito.
Vou pegar receitas e roubar outros tantos remédios que terminam em pan
Misturar todos e tomar a seco na praça da mãe preta, em frente à igreja que eu ia me casar.
Pronto. Fim de um ciclo desgraçadamente triste na vida de uma pessoa.
E vc, desgraçando Mentirosão, fantasioso e sem função na vida e que eu sei que lê esse blog, leve consigo a culpa eterna. Nem a mamãe e nem o papai vão conseguir livrar você disso. Já pediu hoje pra mãe comprar a remédio pra deixar de ser brocha? A mamãe faz tudo!
Esse é o mais profundo desejo. Mentirosao brocha de uma figa.

sexta-feira, 6 de maio de 2016

O período da noite é sem dúvida o mais difícil.  É quando vem a tona a ausência de aconchego, a falha de um querer bem que se foi ou nunca existiu. São melhores os casos em que eles jamais fizeram parte de nossa vida. Não há do que ter saudade. Perfeição dos mundos.
 Hoje comprei uma passagem de retorno à Lisboa, me emocionei e me contentei tanto. E agora me vem só tristeza. Não sou a mesma a voltar lá. Estou gorda, feia e estou velha. E em minhas fotos lisboetas estou cheia de viço, vida. E alegria. Tenho impressão de quem estava  em Lisboa não me era. Era algo além, algo que ficou pra trás sem ao menos ter existido.
Hoje eu sou uma guia de internação a ser utilizada. Eu sou alguém que tem as malas prontas a entrar em um mundo onde o sono proveria o conforto de não ser.  De não ser professora, mulher, e a mãe que nunca vou ser. Eu sou o desejo de não ser e me tiram o direito de dormir.
Me deixem dormir.